É hora de um partido preto no Brasil!
Mais de 56% da população brasileira se autodeclara preta ou parda (IBGE, 2022). Ainda assim, essa maioria não se reflete no poder político: no Congresso, a presença negra não alcança 30% e, quando existe, em grande parte está submetida a partidos brancos, alheios às pautas da população preta. A discrepância não é apenas numérica — revela como o Brasil insiste em excluir o povo preto das decisões sobre seu futuro.
A história da luta política negra no Brasil mostra que a organização coletiva é essencial. O Movimento Negro Unificado (MNU), fundado em 1978, recolocou a questão racial no centro do debate nacional e inspirou diversas iniciativas de mobilização e cidadania. Junto a organizações como o CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), o IPCN (Instituto de Pesquisas das Culturas Negras) e o Instituto Nelson Mandela, essas instituições reforçam a importância de estratégias comunitárias, educativas e de pesquisa para fortalecer a presença política preta. O IPCN, instituição mais antiga com sede própria, esteve à frente da primeira marcha de pessoas pretas no Brasil, em 1986, organizou a marcha em memória de Moïse, jovem congolês assassinado na Barra da Tijuca (RJ), e promoveu uma plena de aproximadamente 30 dias para auxiliar na elaboração da Constituição de 1988, com o apoio e intervenção da Senadora Benedita da Silva, atuando sempre nessa perspectiva de fortalecimento da participação política e cidadania da população negra.
Experiências internacionais ajudam a iluminar caminhos. Nos Estados Unidos, o Congressional Black Caucus atua com peso dentro do sistema, e movimentos históricos como os Panteras Negras reforçam a importância da organização autônoma e da luta por direitos civis e sociais. Em países africanos e caribenhos, partidos negros foram decisivos para mudanças estruturais. O recado é claro: autonomia não nasce do favor, mas da organização.
Por isso, cabe perguntar: não chegou a hora de retomarmos o debate sobre um partido preto no Brasil? A questão vai além da formalização de uma sigla; trata-se de garantir que a maioria da população possa disputar projetos de país a partir de sua própria perspectiva, sem intermediações que historicamente nos silenciaram.
O desafio é grande e exige construção coletiva, debate amplo e coragem política. Mas talvez este seja o momento de pensar na criação de um partido que seja expressão direta da luta, da representação e da perspectiva do povo preto.
Márcio Madeira – Responsável pelo Instituto Coisas de Gente Preta / Portal Coisas de Gente Preta