Em Copacabana, pintou um clima do Bolsonaro: “quem não deve, não teme”, enquanto a polícia age como cafetão .

O episódio em Copacabana, no qual jovens foram presas por aplicar o “boa noite, Cinderela” em turistas estrangeiros, evidencia a seletividade da repressão. Meninas pobres e periféricas são rapidamente criminalizadas, enquanto redes de exploração sexual de luxo — protegidas por seguranças privados e vínculos políticos — permanecem praticamente intactas.
 
Historicidade
 
A precariedade social no Brasil reflete um longo processo histórico de exploração: desde os corpos das mulheres indígenas na colonização, passando pelas mulheres negras na escravidão, até a negligência dos poderosos de hoje. Meninas pobres — sobretudo negras e periféricas — são empurradas para a prostituição como forma de sobrevivência, e a ausência de políticas públicas transforma seus corpos em mercadoria de desejo colonial, perpetuando um ciclo que atravessa gerações.
 
Fala do ex-presidente Bolsonaro
 
Quando Jair Bolsonaro afirmou que “pintou um clima” sobre o interesse de estrangeiros por meninas venezuelanas de 14 e 15 anos, não foi apenas insensibilidade. A declaração expõe ausência de moral, falhas institucionais e abandono político que permitem que corpos vulneráveis continuem sendo explorados.
 
Função pedagógica da punição
 
A punição aplicada às meninas no caso do boa noite Cinderela no Rio de Janeiro recentemente, cumpre uma função pedagógica seletiva: transforma corpos vulneráveis em exemplo público de “desvio”, enquanto redes estruturadas de exploração sexual de luxo permanecem impunes. Essa seletividade reforça estigmas sociais e desigualdades históricas, sem reduzir a vulnerabilidade ou combater a exploração estrutural.
 
Mídia e naturalização da exploração
 
A cobertura midiática foca nas ações das meninas e sugere que turistas seriam supostamente seduzidos a visitar locais como a Pedra do Sal — espaço histórico de resistência do povo preto no Rio — mas raramente menciona que boa parte em sua maioria são orientados por agências ou empresas sem fiscalização do poder público a se utilizarem destas oportunidades. Essa omissão naturaliza a prostituição como algo de fácil acesso e oculta a responsabilidade estrutural de redes que exploram vulnerabilidades históricas e sociais. Sem contar que constantemente os acordos não são cumpridos e boa parte destas meninas, violentadas e as vezes assasinadas.
 
A cumplicidade velada da repressão
 
A lei define o cafetão como quem explora a prostituição alheia, mas a CPI da Exploração Sexual (2014) revelou que policiais também atuaram protegendo prostíbulos, cobrando propinas e até como sócios ocultos — funções típicas do cafetão, que expõem a cumplicidade entre repressão estatal e exploração sexual.
 
A necessidade de políticas públicas
 
O enfrentamento dessa sistemática histórica exige políticas públicas efetivas que protejam meninas e mulheres vulneráveis, promovam educação, assistência social e acesso a oportunidades econômicas, e garantam investigação e punição rigorosa das redes de exploração. Sem ação estruturada do Estado, a desigualdade e a vulnerabilidade continuarão sendo reproduzidas geração após geração.
 
Lei de amparo
 
O art. 227 da Constituição Federal assegura prioridade absoluta à proteção de crianças e adolescentes contra toda forma de exploração e violência (Alana). Já a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) garante proteção integral às mulheres contra qualquer tipo de violência, inclusive sexual (JusBrasil). Dessa forma, é dever do Estado responsabilizar donos de estabelecimentos, intermediários e clientes — nacionais ou estrangeiros — que contribuam, direta ou indiretamente, para essas práticas ilícitas.
 
Justificativa institucional
 
Não apoiamos práticas incorretas ou ilegais, mas, como instituição reflexiva, nosso papel é analisar criticamente a seletividade da lei e a vulnerabilidade social. Nosso objetivo é pensar de forma ética e responsável, promovendo diálogo com o poder público para reduzir desigualdades e injustiças históricas.
 
Conclusão 
 
O episódio em Copacabana nos remete à narrativa bíblica em que apresentaram a prostituta a Jesus, e ele disse: “Aquele que não tem pecado, atire a primeira pedra”. Assim como naquele momento, a sociedade contemporânea insiste em transformar corpos periféricos em espetáculo público, enquanto redes de exploração permanecem protegidas, evidenciando a seletividade e a hipocrisia do julgamento sobre quem realmente merece punição.
 
 
Fontes
•Constituição Federal, art. 227 – prioridade absoluta à proteção de crianças e adolescentes (Alana)
•Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) – proteção integral às mulheres contra violência (JusBrasil)
•BBC Brasil – “‘Pintou um clima’: como fala de Bolsonaro sobre meninas venezuelanas repercutiu”
•Agência Brasil – “Justiça condena Bolsonaro por fala sobre meninas venezuelanas”
•UOL Notícias – “Bolsonaro é condenado a pagar R$ 150 mil por fala sobre venezuelanas”
•CPI da Exploração Sexual (2014) – Relatório Final
* Bíblia Sagrada, João 8:3-11
 
Autoria: Márcio Madeira | Coisas de Gente Preta
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