Entre contradições e alianças

Entre fé e política
 
Nada como um aniversário para evidenciar alianças improváveis. O prefeito Eduardo Paes marcou presença no aniversário do pastor Silas Malafaia, conhecido por sua cruzada contra as religiões de matriz africana. A ironia é que, enquanto se apoia no cristianismo para condenar a fé preta, os princípios bíblicos que ele proclama — amor ao próximo, respeito e liberdade de consciência — deveriam garantir a tolerância religiosa.
 
Pantomima cultural
 
A contradição se intensifica ao observarmos que Paes, que se apresenta como carnavalesco, participa anualmente da lavagem do Sambódromo — ritual carregado de sacralidade afro-brasileira. Mas nossas tradições seguem marginalizadas.
 
A cultura preta como espetáculo
 
Como já advertiu Lélia Gonzalez, no Brasil a cultura negra é muitas vezes reduzida a uma “mestiçagem folclórica”, onde samba, carnaval e religiosidade são celebrados, mas o povo preto segue sem direitos reais¹.
 
Frantz Fanon lembra: “o colonizado é exaltado quando canta e dança, mas é negado enquanto sujeito político”².
 
Abdias do Nascimento denunciava que a cultura negra é vitrine nacional, enquanto a população preta permanece marginalizada³.
 
Beatriz Nascimento enfatizou que quilombos são espaços políticos de resistência⁴.
 
Clóvis Moura mostrou que a história da população negra no Brasil é de insurgência permanente⁶.
 
Silvio Almeida alerta que o racismo é estrutural, e gestos simbólicos sem políticas concretas reforçam o sistema⁵.
 
Neuza Santos evidencia como a cidade continua desenhada para excluir a população preta⁷.
 
O poder político de Malafaia
 
As entidades de Malafaia acumulam R$ 29,3 milhões em dívidas tributárias (O Hoje) (DCM).
 
Além disso, em entrevista ao ICL Notícias, Malafaia afirmou ter influência direta sobre seus fiéis na orientação de escolhas eleitorais. Um capital religioso convertido em capital político, sempre em detrimento das pautas que defendem a vida e a dignidade da população preta.
 
Pão e circo não nos basta
 
O movimento de Eduardo em estar ao lado da cultura preta soa como pantomima de pão e circo: gesto de aparência, sem entrega real. Somos usados como cenário, nossos valores transformados em moeda de troca.
 
Emancipação e liderança preta
 
É urgente que a população preta ocupe os espaços de decisão, transforme o poder simbólico da cultura preta em poder político concreto e garanta direitos e justiça histórica. Somente assim nossa ancestralidade e conquistas culturais deixarão de ser exploradas e se tornarão instrumentos de verdadeira liberdade.
 
 
📌 Editorial do Instituto Coisas de Gente Preta
Por Márcio Madeira, coordenador do portal.
 
 
Referências
1.GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
2.FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
3.NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 2017.
4.NASCIMENTO, Beatriz. Beatriz Nascimento: textos, entrevistas e ensaios. São Paulo: Zahar, 2021.
5.ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
6.MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
7.SANTOS, Neuza. Cidade e Periferia: habitação e exclusão social. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
8.O Hoje. “Entidades de Malafaia possuem dívidas que chegam a R$ 29 milhões.” Link
9.DCM. “Indiciado pela PF: Malafaia deve quase R$ 30 milhões em impostos.” Link
10.ICL Notícias. Entrevista com Silas Malafaia sobre influência política junto aos fiéis.
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